“É preciso incluir as pessoas pelo trabalho”, diz idealizador do Bolsa Família

Não há solução para reduzir a pobreza e a desigualdade sem a retomada do crescimento robusto do País, analisa o economista Ricardo Paes de Barros, um dos idealizadores do Bolsa Família.

Ele avalia, no entanto, que, mesmo com os recursos escassos, o governo não deve deixar de investir em programas de transferência de renda para a população mais carente.

Como resolver a pobreza, em um contexto de baixo crescimento econômico como o registrado nos últimos anos?

No longo prazo, não há solução para reduzir a pobreza de maneira sustentável sem retomar o crescimento do País. Infelizmente, a perspectiva que se tem é de um crescimento modesto também este ano, o que deve fazer de 2019 o terceiro ano seguido de crescimento baixo desde o fim da recessão.

Há espaço para frear o aumento da pobreza e da desigualdade mesmo com falta de recursos?

Certamente é possível reduzir a pobreza e a desigualdade, mesmo em um contexto de baixo crescimento. Esses são temas que não devem sair de pauta. Uma política social arrojada, na verdade, será aquela que permitir que os mais pobres consigam aproveitar o crescimento do País, dando assistência técnica, capacitação e crédito.

O governo deve direcionar os gastos públicos para atender aos mais pobres, não há contradição entre fazer isso e reduzir a dívida pública. Nos últimos anos, a pobreza aumentou, mas não chegou a explodir. Em parte, isso mostra que as políticas sociais atuais têm uma capacidade bastante considerável de segurar o aumento da pobreza.

Por outro lado, é claro que toda política que é feita hoje, incluindo o Bolsa Família, pode e deve ser melhorada o tempo todo. Achar que os programas que estão funcionando hoje são perfeitos é maluquice.

O Bolsa Família, como programa de auxílio aos brasileiros que estão em uma situação de extrema pobreza, deve ser revisto?

Uma das questões do Bolsa Família é que ele precisa ser bem focado, transferir recursos para quem realmente precisa. É sempre possível ajustar o alvo do programa. Se o perfil de quem precisa do Bolsa Família muda, como mudou nos últimos anos, o foco do programa também deve se ajustar.

Se tem uma hora para o Bolsa Família ser generoso, é agora. Em termos de transferência de renda, as políticas têm de ser dramaticamente contracíclicas, como dar acesso ao FGTS ou ao seguro-desemprego.

E no longo prazo, como fazer para que mais brasileiros consigam sair da extrema pobreza?

A saída da pobreza extrema é pela inclusão produtiva, é preciso incluir as pessoas pelo trabalho, o que depende de crescimento da economia. Ao mesmo tempo, também é muito importante que o governo, via Ministério da Cidadania, prepare a população mais pobre para que esteja pronta para ser incluída no futuro. E há várias maneiras de preparar a população mais pobre para o mercado de trabalho, com programas direcionados para isso.

Que tipos de programas? Como aqueles de capacitação, por meio de cursos técnicos, por exemplo?

Uma das coisas menos eficazes que se pode fazer é ficar qualificando todo mundo em um momento de recessão, sem saber que tipos de empregos serão gerados lá na frente. Seria mais eficaz atestar e certificar competências que os trabalhadores já têm.

A maior parte dos brasileiros mais pobres aprende várias habilidades para sobreviver, mas não tem certificados para comprovar essas competências. Outra alternativa é criar sistemas de microcrédito orientado para os trabalhadores por conta própria entrarem no mercado.

No longo prazo, o caminho é investir em educação?

A saída para reduzir a pobreza passa pelo emprego e o investimento em educação. Se os trabalhadores tiverem mais capacitação, eles vão ser mais produtivos e disputados no mercado. Toda vez que aumenta a escolaridade da força de trabalho, e isso se traduz em um aumento da produtividade, ocorre um efeito cascata em que os salários sobem e a pobreza cai.

Durante a década de 1970, o economista Edmar Bacha criou o conceito de “Belíndia” para o Brasil, que teria dentro de si, por suas disparidades, uma Bélgica e uma Índia. Ainda somos uma “Belíndia”?

O Brasil ainda é um país profundamente desigual, mas menos segmentado do que era no passado. Há algumas décadas, ele tinha mais essa cara de “Belíndia”, com duas realidades muito diferentes e que não se conectavam tanto. Nos últimos anos, antes da recessão, a informalidade vinha diminuindo e se passou a ter uma economia mais integrada, entre capitais e interior.

Mas, dado o tamanho da desigualdade acumulada pela sociedade brasileira, seria preciso esperar mais 20 ou 30 anos de redução das diferenças sociais para o Brasil chegar a ser uma Turquia, um México ou um Chile.

Os dados mais recentes de desemprego mostram que a desocupação tem caído este ano, mas puxada pela informalidade. O aumento do trabalho sem carteira explica parte da desigualdade?

O aumento da informalidade deve ser um dos fatores que levaram ao aumento da desigualdade. Nessa retomada do crescimento em que o País está agora, o emprego informal deve crescer um pouco e ser a porta de entrada de muita gente no mercado. Apesar de todas as dificuldades, é melhor ser informal do que desempregado. Qualquer coisa que for feita no Brasil que não leve em conta a desigualdade está equivocada.

Em um país tão desigual, qualquer oportunidade de combater a desigualdade deve ser aproveitada. Nesse momento, se discute a reforma tributária, por exemplo. Essa questão é tão absurda, no sentido de concentração de renda, que qualquer reforma que acontecer pode ser mais amigável para a redução da desigualdade. Além de promover o crescimento, a política de combate à desigualdade deve melhorar também o ambiente de negócios.

Estadão

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