Análise de mutações do coronavírus leva a potencial vacina universal contra a Covid
Uma pesquisa com as diferentes mutações sofridas pelo coronavírus nos últimos três anos levou ao desenvolvimento de uma candidata a vacina universal contra a Covid. A fórmula, chamada de Span (S da proteína S ou espícula usada pelo vírus para invadir as células e pan de pancoronavírus) contém as principais mudanças ocorridas no Sars-CoV-2 que afetaram a eficácia das vacinas disponíveis até então, principalmente após o surgimento de novas cepas mais infecciosas ou com maior escape imunológico.
Ao ser testada em camundongos em laboratório, a fórmula teve sucesso em induzir anticorpos contra dez variantes de preocupação (ou VOCs, na sigla em inglês) que surgiram nos últimos anos, entre elas a alfa, a gama (de Manaus) e a delta.
O imunizante em estudo também ofereceu uma maior resposta protetora em camundongos que tinham recebido duas doses de vacinas formulados contra a cepa original de Wuhan (ou “wildtype”, também chamada de forma selvagem), possibilitando assim um uso como dose de reforço no futuro.
O artigo descrevendo a descoberta foi publicado nesta quarta (4) na revista científica Science Translational Medicine e é fruto de uma colaboração de pesquisadores da Universidade de Wuhan, do Instituto de Produtos Biológicos de Wuhan e do Centro de Controle e Prevenção de Doenças chinês.
Para chegar a uma formulação universal de vacina, os cientistas analisaram 11.650.487 sequências do coronavírus do banco do Centro Nacional de Informação Biotecnológica (NCBI, na sigla em inglês) depositadas até 28 de fevereiro de 2021 (ou seja, antes do surgimento da delta e ômicron). Do total, 2.675 sequências da proteína S foram estudadas para criar uma árvore filogenética do vírus na sua região de maior frequência de mutação.
Com isso, os pesquisadores observaram dois principais “caminhos” evolutivos do vírus: um de maior transmissão (mutações na proteína S ou na região de ligação com o receptor nas células do hospedeiro que conferem maior capacidade de transmissão) e menor escape imunológico; e outro de menor transmissibilidade mas escape imunológico elevado.
No primeiro grupo estariam as variantes alfa, lambda (que surgiu no Peru), delta e D614G, primeira variante do vírus a surgir ainda em agosto de 2020. Já no segundo grupo estaria a gama, de Manaus, e a B.1.525 (ou eta), que foi identificada em Nova York e na Europa no início de 2021.
As únicas variantes que parecem fugir desse caminho evolutivo são a beta e ômicron, ambas identificadas inicialmente na África do Sul e que possuem alta transmissão e também escape de anticorpos elevado.
Considerando as mutações de todas essas variantes, os cientistas criaram um antígeno (grosso modo, a estrutura inserida nas vacinas que imita o patógeno contra o qual se quer produzir a resposta imune) que fosse igualmente eficaz contra mutações que induzem alta transmissão e escape imunológico elevado.
Com a formulação, eles injetaram a potencial vacina em camundongos e depois extraíram amostras do sangue para avaliar sua ação. O resultado foi uma alta proteção nos camundongos contra todas as variantes, mesmo aquelas que surgiram depois do desenvolvimento do estudo (como a delta e a ômicron).
Apesar de promissor, o estudo ainda possui algumas limitações, sendo a principal delas que os experimentos foram feitos in vitro a partir do sangue colhido dos camundongos que foram imunizados e testado contra as cepas, mas não é possível saber ainda por quanto tempo esses anticorpos vão oferecer proteção em vida. Além disso, mais testes em outros modelos animais, como macacos, antes dos testes em humanos são necessários.
SELEÇÃO NATURAL
Segundo o virologista e professor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto Maurício Nogueira, que não participou do estudo, a busca de novos antígenos quando um vírus infeccioso apresenta alta taxa de mutação não é incomum na pesquisa por vacinas.
Ele explica que é isso que ocorre a cada três ou quatro anos com a vacina contra o vírus influenza, causador da gripe. “O processo biológico que explica o escape da vacina ancestral pelo vírus em circulação é o ‘antigen drift’ [deriva] e o ‘antigen shift’ [troca]. O primeiro é o acúmulo de mutações no vírus que acaba, naturalmente, fazendo com que a vacina em uso e o vírus em circulação sejam distantes entre si, e por isso seja necessária a atualização. Já o segundo ocorre quando há uma mudança brusca na sequência genética do vírus, provocando os surtos, como ocorreu com o H1N1 em 2009”, diz.
No caso do coronavírus, como ainda é muito recente, Nogueira avalia que não atingimos ainda um equilíbrio entre o vírus e as vacinas. “Quando há uma cobertura vacinal elevada, essa corrida entre vírus e vacina ocorre lentamente, mas ainda temos muitos locais com baixa cobertura vacinal”, diz.
O virologista lembra que as mutações são um processo natural e constante do vírus. Muitas vezes, as mutações acabam sendo selecionadas por pressões parecidas levando ao que é conhecido como convergência: linhagens diferentes que apresentam as mesmas mutações, como é o caso da BQ.1 e das subvariantes da ômicron identificadas na China.
“O vírus vai replicar mais em ambientes com maior número de pessoas suscetíveis, o que aumenta a possibilidade de emergir variantes que vão ser selecionadas”, diz. “O que ainda é esperado do coronavírus até o processo de endemização é a ocorrência de surtos esporádicos quando surgem novas variantes e uma pressão seletiva delas por aquelas que consigam escapar mais das vacinas”, finaliza.
Fonte:Bahia Notícias