Baianas criam iniciativas antirracistas em escolas públicas

Nesta semana em que se comemora o Dia Internacional da Mulher Negra, Latino Americana e Caribenha, o CORREIO destaca algumas professoras baianas, autoras de iniciativas que vêm promovendo uma educação antirracista nas escolas públicas do estado.

A data começou a ser celebrada em 1992, com o objetivo de propor a união entre mulheres negras e denunciar o racismo e o machismo enfrentado por elas. Atualmente, a luta das mulheres que se dedicaram à data é ampliada por baianas como a professora Jéssika de Oliveira.

Nascida em Baixa Grande, a 262 km de Salvador, ela vem enriquecendo o conhecimento de alunos do Colégio Estadual Doutor Milton Santos, localizado na Comunidade Quilombola Urbana de Jequié, sobre autores negros, com a criação do Clube da Leitura Preta no Quilombo há 1 ano.

Além de integrar o setor de projetos do Colégio Milton Santos, Jéssika é formada em Letras, autora do livro ‘Contos em uma Antologia de Mulheres’ e teve o Clube da Leitura Preta no Quilombo reconhecido pelo governo estadual, por promover o antirracismo, inclusão e impacto social na escola quilombola.

No clube, os alunos leem autores negros, debatem e escrevem sobre as leituras, três vezes por semana, às terças, quartas e quintas-feiras. Por causa da falta de estrutura, os encontros acontecem na sala de informática da escola. Mas para deixar o ambiente mais temático, os alunos batizaram o espaço de ‘Sala dos Livros’.

Jéssika conta que, à primeira vista, o projeto foi pouco abraçado pelos alunos, pois eles alegavam não enxergar importância nos temas abordados. No entanto, o cenário mudou ao saberem que a professora baiana também era escritora e, hoje, até pedem para permanecer por mais tempo nas reuniões.

Apelei para os temas dos livros, a cobrança deles no Enem, mas eles não se encantavam. Isso só aconteceu quando descobriram que eu era escritora. Aí eu entendi que eles precisavam se reconhecer. Então, apresentei pessoas parecidas fisicamente com eles, que estavam na mídia. O gelo foi quebrando e eles, além de participar, convidaram outros alunos”, conta Jéssika.

Desde então, os alunos que demonstravam pouco interesse pela leitura e escrita, e não se reconheciam como pessoas negras, mesmo sendo de uma comunidade quilombola, ganharam uma nova perspectiva. Em junho deste ano, os estudantes participaram de um encontro com alunos da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), na própria universidade, onde falaram sobre negritude.

No ano passado, o Clube da Leitura Preta promoveu o 1° Concurso Literário do Quilombo no Colégio Milton Santos, nascido a partir da leitura do livro ‘Becos da Memória’, da escritora negra mineira Conceição Evaristo. O projeto mobilizou todas as turmas da escola e rendeu 150 produções literárias.

Clube de Leitura está sendo muito importante, porque muitas vezes a gente não acha um lugar que nos incentive a ler no ambiente escolar, ainda mais escritores negros que muitas vezes a gente nem sabe que tem e quem são. Está nos dando oportunidade de descobrir novos horizontes, formas de pensar e lutar contra a opressão”, avalia a estudante do nono ano do ensino fundamental e umas das 30 membros do clube, Maria Clara, de 15 anos.

Brincadeiras antirracistas

Realizado a cada dois anos, o levantamento mais recente da ONG Todos Pela Educação mostra que apenas metade (50,1%) das escolas públicas do país teve ações contra o racismo em 2021. Apesar de não informar o percentual baiano, a professora Míghian Nunes já trabalha para melhorar o cenário do estado nos próximos anos, com a criação do Catálogo de Brincadeiras Africanas e Afro-brasileiras, publicado em 2022 e trabalhado em escolas públicas de São Francisco do Conde, no Recôncavo Baiano.

Nascida em Itabuna, Míghian é professora há 26 anos, com experiência na educação básica, escritora e integra o corpo docente da Universidade Internacional da Integração da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), em São Francisco do Conde.

O catálogo produzido pela baiana reúne 77 brincadeiras infantis presentes aqui e em seis países africanos de língua portuguesa – Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique e São Tomé e Príncipe -, para guiar o aprendizado sobre os aspectos comuns e peculiares entre o Brasil e o continente africano.

“A gente queria saber qual era o legado histórico que vinculava as experiências brasileiras com as experiências de países africanos e ampliar os materiais pedagógicos disponíveis para as professoras de educação infantil que valorizassem o pertencimento racial das crianças nas escolas brasileiras, que são majoritariamente negras”, conta Mighian

A escola quilombola José de Aragão Bulcão, em São Francisco do Conde, foi uma das instituições de ensino infantil onde o catálogo foi aplicado. Segundo a coordenadora da instituição, Alessandra Xavier, o aprendizado antirracista atingiu até as famílias das crianças.

“As famílias não se percebem enquanto negras e quilombolas, e a gente começou a tratar disso através do brincar com as crianças. Por meio das brincadeiras que vieram da África, muitos pais demonstraram ter aprendido e desconstruído certas ideias com os filhos”, celebra a coordenadora.

O catálogo está disponível gratuitamente na biblioteca on-line do Observatório Anansi. A publicação foi possível porque o projeto foi contemplado pelo Edital Equidade Racial do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT), com patrocínio do banco Itaú, em 2020.

As brincadeiras foram selecionadas a partir de uma pesquisa com pessoas de cada um dos países, mas que moram no Brasil. Uma delas foi a pedagoga Yacine Henriques Tavares, de 27 anos, que é de Guiné Bissau, e foi o ponto de partida para a realização do projeto. Na época que o edital abriu, ela estava fazendo o trabalho de conclusão de curso (TCC) em pedagogia na Unilab sobre jogos e brincadeiras do seu país natal para trabalhar na educação infantil.

Míghian foi a orientadora dela e resolveu concorrer à bolsa do edital, ampliando a pesquisa para outros países africanos. “Como muitos adultos confundem a África com um país, quando ela na verdade é um continente, provavelmente as crianças também não tenham esse conhecimento, por isso é tão importante trabalhar as histórias e culturas de lá”, destaca Yacine.

Fonte:CORREIO

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