Mulher, negra e potente: saiba quem comanda a redação do CORREIO, um dos principais jornais do Nordeste
jornalista Linda Bezerra, 58 anos, é do tipo que não passa despercebida. A cabeleira marcante, de fios grisalhos e cacheados, sua marca registrada, chama atenção em qualquer lugar. Ela não para, é ligada no 220. Vive o jornalismo 24 horas. Num bate-papo descontraído, ouve uma informação e já pensa na notícia. Nas andanças pela cidade, é com o olhar atento e sensível de pauteiro em busca de um fato novo ou comportamento diferente para transformar em notícia. Mulher, negra e dona de uma gargalhada inconfundível, ela é responsável por comandar um dos principais veículos de comunicação do Nordeste, o Jornal Correio*. Mais do que isso, ela é a alma da redação. Chegou lá há 27 anos como produtora, passou pela chefia de reportagem, foi colunista, editora de abertura… Há sete anos, além do olhar criativo, exercita uma nova faceta, a de editora chefe, que comanda um time de quase cem pessoas no jornal que mantém por três ano consecutivos a liderança entre os jornais locais e é o top quatro na audiência do Nordeste entre todos os jornais do país.
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Nasceu no Piauí, mas quase 3/4 da sua vida foi na Bahia. Durante entrevista ao Alô Alô Bahia, faz as contas de quando chegou e reconhece: “Já sou baiana mesmo, não tem mais condições”, diz, ao se dar conta que já passaram mais de quatro décadas que deixou Canabrava, distrito de Buriti dos Montes, para morar com uma irmã, em Barreiras, no oeste baiano. Veio movida pela vontade de aprender. Com um ano de idade, Linda foi entregue pela mãe biológica a uma família portuguesa. Na adolescência, percebeu que o lugarejo que vivia ficou pequeno demais pra ela. Durante as férias, quando as sobrinhas da família que lhe criava chegavam, percebia como aquelas meninas eram cultas e nutria a vontade de ser como elas. “Chegou num ponto que precisei repetir a 4ª série várias vezes porque no grupo escolar que estudava não ia além. Via nessas meninas a diferença de repertório e comecei a nutrir o desejo de ir para um lugar que encontrasse o mesmo que elas. Uma irmã, de uma geração anterior a minha, veio morar na Bahia e foi nos visitar. Eu disse que viria passear e não voltei mais”, conta.
família portuguesa era composta por uma matriarca com várias filhas, sendo duas cegas. Linda lembra que aprendeu a ler fazendo a leitura da bíblia para elas. Outra lembrança é dos primeiros contatos com a música, ouvindo a Rádio Educadora de Crateús, que só tocava jazz e música clássica. Aos domingos, ela era uma das vozes da igreja e também quem puxava os cânticos nas procissões. “Cresci ouvindo esse tipo de música. Música pra mim não é trilha sonora, eu me sento para ouvir”, relembra. Apesar de um tanto distante, são várias recordações daquela época. Tinha o ritual de todas as manhãs, de pegar o leite na fazenda e levar para vender na vizinhança. As idas ao rio para lavar roupa, a coleta de frutas no pomar. “Quando alguém diz que eu sou criativa, me conecto imediatamente com a minha infância no Piauí, onde subia num pé de umbu para ler. Eu era falante, questionadora. Qualquer atividade que fosse pra sair de casa, eu adorava, por conta desse espírito de liberdade que eu tenho”.
Assim como Canabrava, chegou o momento em que Barreiras também ficou pequena para os sonhos de Linda e ela veio desbravar Salvador. “Sou uma baiana cultural. Tenho total afinidade com a cultura desse local, com a beleza, com a arte que circula aqui, com as pessoas. Há uma espontaneidade no jeito baiano que conecta com meu jeito de ser”, explica. O vasto repertório sobre baianidades, a Bahia e Salvador transmitem a sensação de se tratar de uma baiana raiz. Por isso, não se surpreenda se encontrá-la num mergulho no Porto da Barra, numa andança pela Avenida Sete, Dois de Julho, Cidade Baixa ou Feira de São Joaquim. “Amo a Salvador onde encontro a Velha Bahia, a Cidade Baixa, o Porto da Barra a Barroquinha, a Avenida Sete, o Dois de Julho. Tudo isso pra mim é maravilhoso. Gosto de Salvador quando ela é original, quando ela está conectada com esse jeito baiano que é tão especial. A Salvador da Liberdade, de Cajazeiras, da Feira de São Joaquim, onde ela é mais baiana”, lista.
Linda ama gente, assim como também ama ouvir e contar boas histórias. Também é apaixonada por música e cinema. A paixão pelos filmes acabou lhe levando para a Faculdade de Comunicação. Seduzida pelo Cinema, fez Jornalismo na Universidade Federal da Bahia (Ufba). É que, na época, viu que na grade do curso tinha disciplinas dedicadas a sétima arte, com André Setaro. “Entrei no jornalismo porque gosto de contar histórias. Queria fazer cinema, mas acabei me encontrando, porque você nunca tem uma rotina igual. Todo dia tem uma nova história para contar, para ouvir. Se você coloca essa tarja que é uma história, se aplica essa forma de narrativa, de trazer as especificidades, os detalhes, de envolve o leitor… Seduzir o leitor com uma boa história é o nosso desafio diário”, avalia Linda Bezerra. E é contando suas histórias no jornalismo, de forma envolvente, que ela deixa plateias e mais plateias de estudantes hipnotizados, ansiosos para pisar numa redação e sujar os calçados em busca de boas histórias. É que ela fala com tanta paixão, que dá vontade se sair em busca da melhor história, de encontrar os melhores personagens.
Ela defende que o jornalismo é uma profissão que você se depara com muitas realidades e cabe ter sensibilidade de narrar para o leitor de forma que ele se sinta envolvido, que tenha empatia por aquele conteúdo. “A gente percebe o quanto sensibiliza o leitor com o que a gente conta. Temos um jornal diário e, todos os dias, o nosso desafio é trazer histórias com o nosso olhar, com nossa linguagem. Todos os dias a gente escolhe as histórias que vai contar. Não abro mão da pauta, porque o jornalismo nasce na pauta. Pauta pra mim é coisa valiosa e esse olhar inovador o jornal tem, que quebra a coisa do dia a dia. A gente busca ir além da informação. É um exercício diário fazer isso, entregar esse conteúdo de forma diferenciada, indo além do lugar comum”.
Outro desafio que ela se depara no dia a dia é o de chefiar uma equipe bem diversa. “Atuo muito bem na diversidade, o grande lance é buscar respeitar as diferenças, as especificidades, os talentos. É preciso colocar uma lupa no talento de cada um. O grande desafio é não tratar todo mundo de forma igual no talento, mas igual nos direitos. É preciso saber extrair de cada um o seu melhor, os seus potenciais. O grande ponto de uma gestão diferenciada, disruptiva é conhecer a equipe a ponto de extrair o melhor que ela pode dar. É o que faz a diferença, dar lugar para que as pessoas possam dar o melhor de si. Buscar isso na equipe é o grande desafio, é o que busco fazer. A gente tem uma equipe pequena, mas que entrega muito pro tamanho que ela é”.
Fonte: ALÔ ALÔ BAHIA