Com direito a greve, fiscalização e opiniões divididas, tentativa de organizar faixa de areia no Porto da Barra acaba em polêmica

 

Matéria publicada originalmente no Jornal Metropole em 30 de janeiro de 2025

Para quem não acreditava, o Porto da Barra tem sim areia, e muita. Ela ficava coberta por uma camada espessa e sem fim de sombreiros, cadeiras e mesas, mas sempre esteve ali. E agora, nesta semana, após o vídeo de um turista de Brasília viralizar e exigir mudanças repentinas na disposição dos barraqueiros da área, a surpresa: habemus areia e habemus uma praia gratuita.

De braços cruzados para o verão

O visual da praia mais fotografada da capital baiana chocou na manhã da última terça-feira (28) e também no início da quarta (29). Areia à mostra. Nenhum sombreiro. Pouquíssimas cadeiras abertas naquele solzão de verão. O motivo? Uma greve dos próprios barraqueiros que trabalham naqueles 600 metros de faixa de areia. Greve de empreendedores já é de chocar, ainda mais de empreendedores da praia em pleno verão. Mas a indignação com as novas determinações da Secretaria Municipal de Ordem Pública (Semop) foi tamanha, que eles cruzaram os braços diante dos banhistas.

Nos cartazes e gritos de guerra dos barraqueiros, a principal reclamação: “não vai dá para fechar as contas”. Isso porque, na semana passada, a Semop se reuniu com os 30 permissionários que atuam na área para ordenar a ocupação da faixa de areia. Foi determinado que cada barraqueiro poderá distribuir apenas 10 kits (cada um com um sombreiro, uma mesa e três cadeiras) e apenas após as 9h, e ainda que o equipamento deve ficar desmontado e recuado até o uso do cliente. Os barraqueiros, no entanto, alegam que a quantidade não será suficiente para pagar os custos com carregador e depósito para o material e nem atender a demanda da alta temporada. E põe alta nisso, afinal a expectativa para esse verão é de recordes no turismo.

Quando a greve dá tão certo que pedem mais

O tiro pode ter saído pela culatra, porque a verdade é que a praia ficou muito mais convidativa sem aquele tapete de sombreiros. E, nas redes sociais, não faltou quem apoiasse o fim das cadeiras e torcesse para que a greve durasse um pouquinho mais. Até o cantor Caetano Veloso foi flagrado aproveitando a areia à mostra.

Após o viral praiano

Nos últimos dias, as praias já tinham ganhado destaque com o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, de bermuda e boné, na areia, conversando amigavelmente com banhistas que levavam caixa de som, o que é proibido na cidade. Mas, em Salvador, começou de forma despretensiosa.

A sequência dos fatos é típica da época dos virais. Começa com um turista de Brasília, armado com um celular na mão, o sonho de conhecer uma das praias mais famosas do Brasil e a frustração de sequer encontrar um espaço para estender sua humilde canga. “Você é obrigado a pagar para sentar na cadeira, porque não tem mais espaço. Está praticamente privatizado”, dizia o turista.

O vídeo, claro, viralizou. Um ou outro debochava do turista, sugerindo que ele fosse procurar praias em Brasília, mas a maioria reiterava as críticas dele. E não só reiterava, como também lembrava que essa já era uma reclamação antiga dos soteropolitanos. Fora a consumação, a média de preço dos kits na região é R$ 40, valor que, convenhamos, nem toda família consegue arcar. Agora, há ainda o receio de que, para compensar a redução da quantidade de areia, o valor aumente. A Semop e nenhum outro órgão se envolve no preço cobrado. Com quase toda a extensão da areia tomada pelas cadeiras, a sensação, muito antes da chegada do turista brasiliense, já era de privatização da praia, que deveria ser o lazer mais democrático da cidade.

Nem o sol está de graça

Uma privatização diferente, é verdade. Desta vez, não é por grandes grupos ou pela elite, mas não deixa de ser. A questão aqui, é que os envolvidos precisam da atenção, apoio e planejamento dos poderes públicos para manter sua renda. E o Porto, um dos patrimônios da cidade, precisa ser preservado. Uma balança difícil de equilibrar, mas que é dever da administração pública. “Trabalho aqui há 19 anos, criei meus filhos aqui. O custo é grande, para locar, para trazer material para praia, para guardar depois”, contou a garçonete Terezinha em entrevista ao Repórter Metropole. “Trinta cadeiras é muito pouco. Tem uma família que chega do Rio Grande do Sul com mais de 30 pessoas. Aí uma metade senta e a outra não?”, acrescentou.

Problema para depois do Carnaval

No final de semana seguinte à reunião entre a Semop e os barraqueiros, a pasta deslocou cinco equipes extras para garantir o cumprimento das normas de ocupação na faixa de areia do Porto da Barra. Alguns dos permissionários chegaram a ser notificados. O que a secretaria alega é que as normas sempre existiram e foram agora reforçadas. Fica implícito, contudo, que o que não havia era uma fiscalização ou, ao menos, essa limitação do espaço.

Apesar do barulho nos últimos dias, a Semop informou que só deve se reunir novamente com os permissionários após o Carnaval, para reavaliar as medidas implementadas e discutir possíveis ajustes. Até lá, o pico da alta temporada para os barraqueiros já foi embora.

Uma onda de saudosismo

Quem vê hoje o Porto da Barra disputado por banhistas e barraqueiros não imagina que aqueles 600 metros de faixa de areia já foram mal vistos pela classe média da cidade e também não deve cogitar que antes as pessoas frequentavam a área para se debruçar sobre as balaustradas e apreciar a vista.

A região nem sempre foi disputada assim. Até porque foi só a partir de 1850 que as áreas ao sul da Baía de Todos-os-Santos, como Barra e Vitória, começaram a se modernizar, com a criação de estradas e investimentos privados. Antes disso, a própria Barra era uma área rural. Ainda assim, como explica o historiador Vinicius Jacob, a segregação social afastava a população da região. Só na década de 1980, durante a gestão de Mário Kertész, que acesso das classes populares às praias da orla foi ampliado com a criação de linhas de ônibus. Se hoje ela é frequentada por gente de todos os tipos, de desconhecidos a famosos, foi preciso que muito chão fosse percorrido.

Fonte METRO1

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