Silenciada com o microfone cortado, interrompida por colegas e chamada de “enforcável” por um senador, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, protagonizou recentemente mais um episódio de violência política de gênero no Congresso Nacional. Enquanto isso, tramita na Câmara uma proposta que busca, simbolicamente, “rebater a invisibilidade feminina” mudando o nome oficial da Casa para “Câmara dos Deputados e das Deputadas”.
O episódio envolvendo Marina ocorreu nesta semana, durante uma sessão da Comissão de Infraestrutura do Senado. Mesmo no exercício de um dos cargos mais relevantes da Esplanada, a ministra foi interrompida repetidas vezes pelo senador Marcos Rogério (PL-RO), que presidia a reunião. Ao protestar, foi ironizada. Antes de deixar o local, ainda discutiu com o senador Plínio Valério (PSDB-AM), autor da declaração pública de que sentia “vontade de enforcá-la”. Marina também se disse ofendida por comentários do senador Omar Aziz (PSD-AM).
Recorrente e subnotificada
O caso de Marina não é exceção. De acordo com a pesquisa “Violência Política e Eleitoral no Brasil”, das organizações Terra de Direitos e Justiça Global, 274 casos de violência política contra mulheres foram registrados entre 1º de novembro de 2022 e 27 de outubro de 2024. Já a Secretaria da Mulher da Câmara contabiliza 63 denúncias formais desde 2013 – número considerado muito abaixo da realidade, devido à subnotificação.
As formas de agressão variam: há quem tenha sido chamada de “vagabunda”, ameaçada com referências aos filhos e detalhes da rotina, quem tenha tido imagens pessoais expostas publicamente com fotos pessoais, ou até mesmo alvo de tentativas de cassação como punição por romper padrões impostos às mulheres na política. Em casos extremos, a violência resulta em assassinatos.
Exemplos que marcaram o país
O nome de Marielle Franco, vereadora do PSOL assassinada em 2018, segue como símbolo do custo brutal que pode recair sobre mulheres, sobretudo negras e de origem periférica, que ousam ocupar espaços de poder. Outro caso emblemático é o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, conduzido sob forte carga de misoginia, em que sua capacidade técnica foi constantemente desqualificada com base em estereótipos de gênero.
Mais recentemente, 2024, o ex-ministro Ciro Gomes atacou a senadora Janaína Farias (PT) ao dizer que ela prestava “serviço particular de harém”. Em 2014, o ex-presidente Jair Bolsonaro afirmou em plenário que a deputada Maria do Rosário (PT) “não merecia ser estuprada” por ser “muito feia” — frase que lhe rendeu condenação na esfera cível, mas que teve denúncia arquivada no STF em 2023.
Silenciadas na política
Mulheres negras são as mais afetadas por esse cenário. Uma pesquisa com 783 mulheres de todas as regiões do país apontou que 52% das negras (pretas e pardas) disseram ter sido excluídas de debates durante suas próprias campanhas eleitorais. A violência, portanto, começa antes mesmo do exercício do mandato.
A Lei 14.192/2021, que tipifica a violência política de gênero, representou um avanço, mas ainda tem alcance limitado: aplica-se apenas a candidatas e detentoras de mandatos eletivos. Além disso, não prevê com clareza o caminho para denúncias, acolhimento e responsabilização.
Apesar das campanhas de combate à violência contra a mulher (concretizadas, na maioria das vezes, em iluminações especiais nos prédios do Congresso), o ambiente simbólico e institucional ainda revela exclusões persistentes: no Senado, onde aconteceu o caso da ministra Marina Silva, as mulheres só conquistaram um banheiro no plenário em 2016 – 55 anos após a inauguração do prédio do Congresso Nacional e 37 anos depois da eleição da primeira senadora do Brasil, Eunice Michiles.
Mudar o nome é suficiente?
É nesse contexto que a deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG) apresentou, no início de maio, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para rebatizar oficialmente o local como “Câmara dos Deputados e das Deputadas”. Para a congressista, o nome atual perpetua uma “invisibilidade histórica” das mulheres na política e na linguagem institucional. “A arquitetura e a linguagem ainda tratam as mulheres como exceção”, argumentou.
A PEC será analisada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Caso aprovada, precisará do voto de 3/5 da Câmara — ou seja, 308 deputados — em dois turnos de votação para ser promulgada.
Fonte Metro1